(…) Com todas as minhas células – e de graça- de Murillo Magaroti

Foi um acidente horrível. E mais uma vida se perdeu. As pessoas e jornalistas disseram as mesmas coisas; as mesmas que todos estavam acostumados a dizer e ouvir e ler quando algo como aquilo acontecia. Inclusive que fora ‘um acidente horrível’ e que ‘mais uma vida se perdeu’. “Até quando?”

As vidas se perdem todos os dias e, na grande maioria das vezes, nem se faz necessário ‘um acidente horrível’ – ou mesmo a morte. As pessoas se perdem em vida. E nem faz sentido procurar culpados pra isso também – nem elas mesmas têm culpa. Só não faz sentido encontrar um culpado pr’aquilo que não tem sentido algum, sabe.

“Eu não pedi pra nascer”, ele dizia pra mãe, quando aqui.– Mas tudo bem, mãe. Você não pediu pra sua mãe, nem ela pediu pra dela.

Foi ela a que mais chorou nas reuniões pós-acidente horrível. Velório; enterro; missa de 7º dia – apesar da pouca fé dele, quando aqui -; a porra toda. Ele nem fazia questão de tudo isso. Todas aquelas flores e lágrimas e abraços. Mas ela fazia, e assim foi. E então ela chorou e ouviu todas aquelas frases que as pessoas estão acostumadas a falar ou ouvir nessas reuniões. Inclusive que ‘uma mãe nunca vai se acostumar com a ideia de enterrar um filho’.

Uma parte dele, só uma parte, ele fazia questão que permanecesse. “Imortalizado”, de certa forma. E ele fez questão de deixar isso bem claro em seu último texto, e no antepenúltimo, e dois antes deste, e 12 atrás… Às vezes, nossos desejos não são atendidos de pronto. Mesmo os que esperam serem chamados para o inferno – ou exército – têm que aguardar. ‘Filas’. ‘Senhas’. “Aguarde sua vez”. “Atrás da faixa amarela”.

Bom, foi assim que ele se perdeu em vida. Entre palavras que, por algum motivo, ele não podia guardar pra si, então as despejava no primeiro pedaço de papel que via pela frente. Depois, olhava para os papéis – de pão, guardanapos e folhetos de tarô, na maioria das vezes – e gostava do que via. Era, afinal, bom em algo. Não mostrava pra ninguém – não de graça. “Então, quer dizer que você escreve?” – Sim, tem uma nota de 20 aí? Ele guardou alguns. Nada muito grande. Quase tudo inacabado – como a vida. E nem vale muito dizer que ‘seus sonhos foram interrompidos’. Pra ele, foi até melhor assim. “Escritores mortos vendem mais”. ‘Horrível. Foi um acidente horrível’. A gente sempre está fazendo algo, sonhando algo. Sempre tem alguma coisa a ser interrompida.

Esqueça tudo que você ouviu

sobre a vida;

sobre os jornalistas;

as mães;

as notas de 20;

tarô;

enterros;

escritores; acidentes;

esse cara;

Ou deus.

4 comentários sobre “(…) Com todas as minhas células – e de graça- de Murillo Magaroti

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