Cansei! …de pensar em títulos – de Murillo Magaroti

“Marvel Heroes”- dizia a capa.

Coloquei uma nota de dois. A tartaruga voltou de marcha ré. Fiz um carinho nela e a coloquei de novo. Apertei o 45. Desceu, levemente, até o compartimento de baixo, o livro selecionado. Só depois eu vi: Colorir. Dei um sorriso, botei o livro debaixo do braço e segui meu caminho. Alguns metros à frente, eu já estava com ele aberto e olhava as figuras.

A capa reflete a luz, como aqueles tazos que traziam 3 imagens numa só. Dentro, várias figuras em branco: Motoqueiro Fantasma; Hulk e Wolverine; Homem-Aranha e Gata Negra. Por um momento, fui saudosista e lembrei-me de quando uma das poucas preocupações da vida era a de não ultrapassar as linhas de um desenho ao pintá-lo. Eu tinha que me concentrar pra valer, e, muitas vezes, não obtinha êxito. Voltei a fechar o livro. Estava a caminho de uma entrevista – outra – e tinha que me concentrar pra valer ou não teria êxito.

Você está lá, com sua bicicleta de rodinhas, mimado, andando de um lado proutro na sua festa de, talvez, 8 anos. Pipas e peixinhos fazem a decoração, e, ao fundo, seu primo chora porque você não deixa ele dar uma volta em sua nova bike. Do nada, você está na Barão de Itapetininga. Preenche uma ficha de emprego – a 3ª do dia. Ainda são 9h. Você saiu de casa às 7h. Acordou às 6.

É estranho, muito estranho, perceber que, de uma hora pra outra, se passaram tantos anos. Você é um adulto. Tem que arrumar empregos que não gosta para fazer o que gosta com pessoas que ama. E pagar contas. Luz, água, aluguel, telefone, carnês de lojas. Nesses momentos, em que eu caio na real e percebo que não posso mais colorir revistas, a vida me parece um filme. Daqueles que contam a história de um personagem e você se identifica com ele e torce por. Eu torço bastante pelo meu.

Abri minha revista de colorir e pintei o primeiro Marvel Heroe: Motoqueiro Fantasma. Ficou um horror. Melhor arrumar um emprego.